O Jornal Valor Econômico (15/07/2020) fez uma matéria avaliando a crise da indústria nacional, especialmente o setor de transformação, com base em uma pesquisa do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ), que tem a participação das professoras Marília Bassetti Marcato, do Instituto de Economia da UFR e Júlia Torracca, professora da Faculdade de Economia da UFF.
Segundo as análises da pesquisa a indústria brasileira enfrenta uma crise sem precedentes, com efeitos deletérios para a produção industrial, o mercado de trabalho e a arrecadação tributária.
TRÊS DIMENSÕES (produção industrial, o mercado de trabalho e a arrecadação tributária)
Tendo em vista essas três dimensões, o Grupo de Indústria e Competitividade da UFRJ investigou os efeitos da pandemia da covid-19 na indústria de transformação do Brasil para o ano de 2020, com base em um arcabouço analítico que considera as interações existentes entre os diversos setores da economia.
Os resultados do estudo podem servir como alerta sobre a magnitude do impacto da crise e também para despertar uma reflexão organizada sobre os possíveis caminhos para recuperação.
Não se trata, portanto, de um mero exercício de futurologia com ares de previsão econômica, mas da caracterização dos possíveis efeitos da crise na indústria tendo em vista sua composição setorial.
Maiores perdas salariais esperadas se encontram justamente nos setores mais intensivos em tecnologia
Que o leitor não se engane: antes da crise sanitária, a produção industrial brasileira já mostrava sinais de grave embaraço. Segundo divulgação da PIM-PF/IBGE, a produção física da indústria de transformação amargou uma redução acumulada de cerca de 16% entre 2013 e 2019.A evolução do indicador de nível de utilização da capacidade instalada produzido pela CNI revela uma queda de 5,4% para o mesmo período, mostrando a dificuldade das empresas industriais em ocupar o espaço fabril e encontrar escoamento para produção.
Se a trajetória da produção industrial já apontava para a ampla dificuldade de ensejar maior dinamismo produtivo e tecnológico, atualmente os obstáculos foram ampliados com a retração da demanda doméstica e internacional.
SEGMENTOS DE TRANSFORMAÇÃO AFETADOS
O estudo mostra que os setores com maior intensidade tecnológica e as chamadas commodities industriais (atividades que, em geral, dependem da extrativa mineral, como fabricação de metal, refino de petróleo, plásticos e resinas) serão os mais afetados na dimensão produtiva, tendo em vista os impactos no valor bruto da produção e no valor adicionado.
Dentre as atividades econômicas que mais contribuem com a retração da produção industrial, o setor de refino de petróleo é o primeiro (com 12,5% da variação do valor bruto da produção da indústria de transformação), seguido pela fabricação de automóveis (8,7%) e fabricação de máquinas e equipamentos mecânicos (8,4%). No cenário referência, com retração estimada de 6,4% do PIB, as commodities industriais são responsáveis pela maior perda estimada de arrecadação tributária (cerca de R$ 19 bilhões), considerando os impostos indiretos, ou seja, aqueles incidentes sobre os produtos, como o ICMS, o IPI e o Imposto de Importação, descontados dos subsídios concedidos.
As especificidades setoriais influenciam na forma como cada atividade econômica irá assimilar os efeitos econômicos negativos da pandemia. No caso do mercado de trabalho, o estudo investiga os impactos nas ocupações e na massa salarial da indústria de transformação.
Trata-se de uma perda potencial de ocupações, pois indica uma redução na demanda pelo insumo “força de trabalho”, que pode traduzir-se em efetiva demissão dos trabalhadores ou em redução das horas trabalhadas.
Além da expressiva dispensa efetiva de pessoal, é importante destacar o possível aumento da desistência dos trabalhadores em buscar trabalho e de trabalhadores subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. Diante das altas taxas de informalidade, vale ressaltar que a contração das ocupações poderá exacerbar a vulnerabilidade de alguns grupos de trabalhadores, com maior impacto nas ocupações informais.
MP 936
Nesse contexto, a Medida Provisória 936, anunciada pelo governo federal para conter os danos da pandemia sobre o mercado de trabalho formal, pode não atenuar a retração esperada da massa salarial.
Diante da queda de demanda, o programa de flexibilização de jornada criado para proteger simultaneamente empresas e empregados poderá ter efeitos distintos na renda dos trabalhadores a depender do nível das remunerações, com os maiores salários sendo os mais afetados, uma vez que o seguro desemprego que vem sendo pago pela União não compensa a redução salarial.
Esse cenário é ainda mais preocupante se considerarmos que as maiores perdas salariais esperadas se encontram justamente nos setores mais intensivos em tecnologia, que exigem profissionais com maior nível de escolarização e possuem maiores remunerações.
Esse cenário é ainda mais preocupante se considerarmos que as maiores perdas salariais esperadas se encontram justamente nos setores mais intensivos em tecnologia, que exigem profissionais com maior nível de escolarização e possuem maiores remunerações.
Os efeitos econômicos da pandemia acabam por reafirmar alguns dos problemas crônicos da indústria brasileira. A indústria de transformação avança no mundo, mesmo que vagarosamente, puxada pelos setores de maior intensidade tecnológica e não surpreende, portanto, que o Brasil esteja ficando para trás.
Ao que parece, a atual crise econômica reforçará a tendência de aprofundamento da rigidez estrutural, amparada na dificuldade da indústria em migrar para setores que sustentam o progresso tecnológico e, portanto, com maior capacidade de ampliar a produtividade industrial.
A maior fragilidade da indústria brasileira em meio à pandemia assola um mercado de trabalho que já vinha institucionalizando a precarização do trabalho sob a forma de flexibilização dos contratos. Ao mesmo tempo, a forte contração da arrecadação tributária, e consequente perda de recursos dos entes subnacionais, impõe dificuldades adicionais para o enfrentamento da crise, ampliando sobretudo as desigualdades regionais.
A recuperação da atividade industrial não é um fim em si mesma, mas um meio pelo qual é possível elaborar alguma saída para esta crise sem precedentes. Isso significa que a indústria pode contribuir para a construção de alternativas. Esse é o desafio que temos pela frente.
FONTE:VALOR