Por Sibele Cestari, pesquisadora bolsista em Materiais Poliméricos, Queen’s University Belfast.
O descarte de plásticos é um problema global. Eles são quase indestrutíveis em condições naturais, mas são descartados em grande escala em todo o mundo. O mundo produz cerca de 359 milhões de toneladas métricas de plásticos a cada ano. A natureza não consegue lidar com tal quantidade deste material a uma velocidade suficientemente rápida para evitar danos aos seres vivos.
Há um consenso de que o plástico é um material insustentável. E sim, o plástico é certamente um enorme problema, mas não necessariamente tem que sê-lo. A questão principal é nosso modelo econômico linear: os bens são produzidos, consumidos e depois descartados. Este modelo pressupõe um crescimento econômico sem fim e não considera os recursos esgotáveis do planeta.
A maioria das pessoas acredita que a reciclagem de plásticos é severamente restrita: que apenas alguns tipos podem ser reciclados. Isto não surpreende. A proporção de plásticos que são reciclados é mínima. O Reino Unido, por exemplo, utiliza cinco milhões de toneladas de plástico por ano, e apenas 370.000 toneladas são recicladas a cada ano: isso é apenas 7%.
Mas todos os polímeros são, tecnologicamente, 100% recicláveis. Alguns deles têm o ciclo de vida perfeito de berço ao berço: podem ser usados repetidamente para produzir as mesmas mercadorias. Alguns plásticos podem ser reutilizados da mesma forma que são, triturando um objeto em pequenos pedaços, derretendo-o e reutilizando-o.
Tais plásticos reciclados podem ter propriedades mecânicas inferiores às dos plásticos virgens, porque cada vez que você derrete e processa um plástico, as cadeias poliméricas se degradam. Mas, estas propriedades podem ser recuperadas, misturando-o aos aditivos ou ao plástico virgem. Exemplos de reciclagem industrial bem-sucedida incluem o PET – poli(tereftalato de etileno), que é usado para fazer garrafas de refrigerantes, e o poliestireno.
Todo o resto pode ser tecnicamente reprocessado em novos materiais para diferentes aplicações. Em última instância, qualquer resíduo plástico pode ser triturado e utilizado como preenchimento para asfalto, ou ser pirolisado para produzir combustível. A empresa japonesa Blest Corporation já vende uma máquina portátil para converter os resíduos plásticos domésticos em combustível de forma simples e acessível.
O problema é que a reciclagem de grande parte desses resíduos plásticos é atualmente inviável e não rentável. Polímeros como borrachas, elastômeros, termofixos e resíduos plásticos mistos são confortavelmente rotulados pelo setor de reciclagem como “não recicláveis”. Mas a quantidade destes materiais em todo o mundo é assustadoramente grande e continua a crescer. E se esses resíduos plásticos pudessem ser usados para produzir algo útil para a sociedade?
Muitas universidades e empresários estão tentando fazer isso. A maioria das soluções visa os resíduos plásticos mistos e sugere aplicações diferentes das originais. Por exemplo, vários grupos desenvolveram materiais de construção feitos de resíduos plásticos.
Os plásticos são fortes, duráveis, impermeáveis, leves, fáceis de moldar e recicláveis – todas propriedades chave para materiais de construção. E se todos esses resíduos plásticos pudessem ser convertidos em materiais de construção para populações de baixa renda? As iniciativas existentes são promissoras, mas ainda não reproduzíveis em escala industrial.
Plástico formando blocos de construção
Estudo os resíduos plásticos com o objetivo específico de encontrar maneiras interessantes de removê-los do meio ambiente. Desde 2009, desenvolvi vários materiais de construção feitos de plásticos pós-consumo misturados com diferentes materiais de fluxo de resíduos. Desde resíduos agrícolas como o bagaço de cana de açúcar – um subproduto da indústria açucareira no Brasil – e borras de café, até resíduos de concreto e resíduos de construção, compostos com plásticos reciclados, há muitas maneiras de obter materiais para produzir tijolos, telhas, madeiras plásticas e outros elementos úteis para a construção.
Nossa equipe está atualmente tentando desenvolver um bloco de construção viável feito de plásticos reciclados. Preparamos uma gama de materiais prospectivos utilizando uma mistura de plásticos virgens e reciclados – garrafas PET coloridas, polipropileno, polietileno – e outros materiais locais de fluxo de resíduos – cânhamo, serragem, resíduos de concreto e lama vermelha.
Estamos atualmente ajustando as propriedades dos materiais para o processo de rotomoldagem, uma tecnologia de moldagem de plásticos que é ideal para a fabricação de grandes artigos ocos. Queremos utilizar a quantidade máxima de plásticos reciclados neste bloco. Blocos feitos de 25% de plásticos reciclados têm tido um desempenho extremamente bom em testes mecânicos. Em seguida, tentaremos 50%, 75% e 100%.
Estamos pensando também na estética dos blocos. As misturas de plásticos reciclados de cor mista geralmente terminam com uma cor cinza ou preta. Para permitir a cor, estamos preparando misturas de plásticos virgens ou reciclados para sobrepor a maior parte do bloco.
Construindo a partir do desperdício
Portanto, talvez os plásticos não sejam necessariamente o problema. Eles podem ser parte de um caminho em direção a um modo de vida mais sustentável. Usar um recurso natural ou renovável não é necessariamente ecológico. A pegada ecológica de um material polimérico é menor do que a de materiais naturais, que têm uma demanda considerável em terras aráveis, água limpa, fertilizantes e tempo de regeneração.
De acordo com a Global Footprint Network, antes da pandemia exigíamos 1,75 vezes os recursos disponíveis do planeta. Trabalhar com os resíduos “não recicláveis” e desenvolver alternativas plásticas aos materiais naturais pode reduzir esta demanda e deixar um planeta mais limpo e mais sustentável para as próximas gerações.
Materiais de construção feitos de plásticos reciclados ainda não são amplamente utilizados na indústria da construção – os protótipos têm sido utilizados principalmente para instalações demonstrativas. É preciso vontade política e consciência ambiental generalizada para incentivar mais investimentos no potencial de reciclagem de plásticos.
Mas esperamos que a maré esteja começando a mudar, como consequência da crescente pressão da opinião pública sobre a questão da poluição por plásticos. Graças ao engajamento do governo e da indústria na ideia de uma economia circular, parece que haverá uma abertura no mercado – e na mente das pessoas – para acolher iniciativas de plástico para substituir os materiais de construção convencionais.